A nossa história recente está
marcada pela inauguração, em 15 de Setembro de 2012, da actual sede. Foi uma
tarde de emoções, recordações e renovar de esperanças.
Nessa ocasião tivemos o grato prazer de ouvir o texto, que a
seguir publicamos, pela voz do autor, e distinto associado, Dr. Joaquim
Carreiras Tapadinhas, profundo conhecedor do nosso passado.
É, pois, com a nossa história que iniciamos as publicações
no nosso Blog!
Com o devido agradecimento ao
autor, eis o texto:
“ATENEU POPULAR DE
MONTIJO
Um percurso singular
na cultura montijense
Dentro de 2 anos, ou seja em 15
de Setembro de 2014, esta nossa cidade, que ao tempo era um modesto lugar e se
denominava Aldeia Galega, comemorará os 500 anos do foral novo, outorgado pelo
rei D. Manuel I, enquanto esta nossa modesta e prestimosa associação – Ateneu
Popular de Montijo – festejará também os 75 anos da sua fundação, ou seja, as
bodas de diamante, embora no mesmo ano, mas no dia 15 de Dezembro.
São datas simbólicas para a vida
dos povos e em especial para os habitantes e naturais desta nossa terra.
Mas hoje, ainda em 2012, aqui
neste espaço, e porque somos herdeiros desse passado, estamos reunidos para num
amplexo de fraternidade inaugurar uma nova casa para o Ateneu, que servirá para
dar alento a uma corrente de convívio e confraternização que é preciso ser
reactivada num momento de crise, tanto nacional como internacional.
Não há coincidências, porque
como diz o adágio a mesma água não corre duas vezes debaixo da mesma ponte. Mas
há analogias, há repetição de ciclos em contextos e situações diferentes.
Este Ateneu nasceu em 1939, no
ano em que se iniciou a 2ª Grande Guerra, quando um grupo de jovens, todos com
menos de 20 anos, num projecto de paz e harmonia, encontrou um suporte no
Esperanto para um combate do qual resultasse um maior respeito e compreensão
entre as gentes e as nações, através do melhor conhecimento dos povos entre si.
O Esperanto, essa língua criada
pelo linguista e médico polaco Luís Lázaro Zamenhoff (1859-1917), pretendia ser
um veículo universal de entendimento e de aproximação sem arremedos de
patriotismos e de superioridades.
Isto justifica que o primeiro
nome desta associação tivesse plasmado da língua esperantista, Aro da
Montijanoj Esperantamikoj, que traduzido para português quer dizer Associação
de Montijenses Amigos do Esperanto. Esta designação manteve-se nos primeiros
anos antes da oficialização do nome de Ateneu Popular de Montijo e a aprovação
oficial dos seus primeiros estatutos pelo Governo Civil de Setúbal, em
Muitos dos exemplares que
pertenceram à primeira biblioteca têm o carimbo da associação esperantista.
Sucede até, segundo atesta O Ateneu de 14,07.1946, o seu órgão informativo, a
primeira grande discussão que dividiu opiniões foi sobre se a biblioteca devia
ter apenas obras escritas em esperanto ou também em língua
portuguesa. Venceu a proposta
mais abrangente conforme podemos verificar. Assim, durante muitos anos, os
sócios disfrutaram de obras dos melhores escritores nacionais
e estrangeiros, pois havia um
espírito formativo na aquisição dos livros. O interesse pelo funcionamento da
biblioteca era tão evidente que, na composição dos corpos sociais que dirigiam
a colectividade, havia lugar a 2 bibliotecários.
Não deixa de ser significante
que tendo o Ateneu nascido num momento de crise internacional, quando o
conflito mundial da 2ª Grande Guerra estava activado, ainda que sofrêssemos as
suas consequências sem entrar directamente no confronto das armas, estejamos
hoje, aqui na sua sede, neste espaço social, também confrontados com uma crise
mundial, mais propriamente uma guerra económica e financeira, muito focada na
Europa e por isso reflectida atrozmente também em Portugal. E como não há
coincidências a principal potência neste emaranhado volta a ser a Alemanha.
Deixemos essas considerações,
tão úteis como necessárias, e voltemos ao Ateneu, que tal Fénix renascida, está
em festa e é o motivo do nosso encontro.
II
– Da clandestinidade à luz do Sol
III
– A sede social – inauguração
IV
– Mudanças – algumas vezes como o caracol
Não podemos ficar pelos números
e pelas estatísticas quando se trata de pessoas e de realidades a elas
inerentes.
Dizer que um grupo de jovens
fundou uma associação é muito pouco e, por amor da verdade, da justiça e do
respeito que o passado nos deve merecer a todos é preciso, sempre que
necessário, evocar os seus nomes.
Como se passaram mais de sete
décadas desde que o Ateneu foi fundado foi preciso recorrer a fontes. Assim,
consultadas as disponíveis, encontramos como fundadores da colectividade, as
referências a Norberto José da Silva, Cosme Benito Resina, Joaquim Lavado,
Manuel Luciano Lucas Alegria, que quando da inauguração da sede já tinha
falecido, António André Lopes Barreto e José das Neves Rodrigues. Destes
pioneiros, só está entre nós o nosso amigo e sócio nº 1, Cosme Benito Resina,
porque, infelizmente, todos os outros já faleceram. O primeiro objectivo desses
jovens foi formar um grupo esperantista e isso foi conseguido muito
rapidamente. Reuniam na
oficina de carpinteiro de Manuel
Luciano Alegria que tinha apenas 19 anos, que estava situada na actual Avenida
dos Pescadores, onde hoje é o Banco Santander e que era conhecida pela oficina
do Manel Cerol.
Posteriormente, por influência
do filho Norberto José da Silva, o sr. Custódio José da Silva, conhecido também
por Custódio Pôlas, pôs à disposição do grupo um recanto da oficina de
carpinteiro, no número 13 da Rua Joaquim de Almeida. Aí se viveu toda a
actividade do Ateneu, agora com um leque mais alargado de jovens,
salientando-se ainda a colaboração de Henrique de Oliveira Dias, um entusiasta
que se finou muito novo, até que nos finais de 1945, o Ateneu muda-se para a
nova sede, inaugurada oficialmente em 14.07.1946, após aprovação dos estatutos
pelo Governo Civil de Setúbal em 23 de Maio do mesmo ano.
II – Da clandestinidade à luz do Sol
De acordo com o que está
descrito no número único de O Ateneu, datado de 14.07.1946, um dos grandes
impulsionadores para que a secção cultural passasse muito para fora do seu
estrito ambiente de grupo foi José das Neves Rodrigues, tipógrafo na Gazeta do
Sul, que captou muitos sócios para a colectividade. O Ateneu gerara muita
simpatia na população montijense, dado que se tratava de um grupo de rapazes
que abandonaram a taberna e o jogo para se instruírem. Como já atrás
mencionamos nos finais de 1945 foi alugada a casa que viria a sede oficial, mas
havia ainda um obstáculo a transpor. A colectividade não tinha estatutos, logo
funcionava na clandestinidade e, apesar da boa vontade, segundo confessam,
faltava-lhes a experiência em tais situações. Por essa época funcionava em
Montijo, na Rua Bulhão Pato, uma livraria denominada “A Bolsa do Livro”, da
qual era proprietário um senhor de nome João Vieira Alves, homem muito vivido e
experiente. A sua intervenção junto do grupo foi muito importante e oportuna e
foi dele a ideia de mudar o nome de “Aro Montijanoj Esperantamikoj” para Ateneu
Popular de Montijo, pois só assim se conseguiriam estatutos para a associação.
Ele próprio redigiu um projecto de estatutos que foram aprovados pelo Governo
Civil de Setúbal em 23 de Maio, tendo para o efeito servido a boa vontade do
então Presidente da Câmara, José Feliciano Ferreira, delegado especial do
Governo.
O Ateneu foi uma associação
muito respeitada e querida junto da população montijense. Se folhearmos os
números especiais do seu jornal, publicados em datas festivas, constatamos a
adesão do comércio e da indústria locais que nos honraram com a sua
publicidade. Esta é, ainda, uma fonte que nos diz dos estabelecimentos
existentes à época e hoje
lamentavelmente, quase todos, desaparecidos. Seguiram-se alguns anos de fulgor
na sua vida social com realizações inéditas para a época e que granjearam a
admiração de muita gente, havendo alguns associados não moradores em Montijo.
III – A sede social – inauguração
O programa da inauguração da
sede social foi preenchido com actividades diárias que decorreram todos os dias
desde 14 a
21 de Julho, começando com uma sessão solene no Cine-Teatro Joaquim de Almeida,
seguida de uma conferência pelo prof. Álvaro Sousa de Oliveira, sob o tema O Ateneu e a Cultura.
No dia seguinte, 2ª feira, um
concerto na Praça da República pela Banda da 1º de Dezembro, dirigida pelo
maestro Victor Cândido dos Santos, interpretando obras de Rossini e Verdi,
entre outras.
Na terça-feira, no salão nobre
da Cooperativa dos Trabalhares Rurais, uma conferência pública da professora e
escritora Irene Lisboa subordinada ao tema As
vantagens do ler.
Na quarta-feira, serão
artístico, no Salão Teatro da Banda Democrática, com entra de prémios aos
melhores alunos das escolas primárias oficiais do concelho.
Na quinta-feira, jantar de
confraternização, com inscrições (14$00) abertas na sede.
Na sexta-feira, conferência
pública no Salão Teatro da Banda Democrática, pelo Dr. A. Francisco Ramos da
Costa, economista e Presidente da Direcção da Cooperativa dos Trabalhadores de
Portugal, sob o tema Cultura Económica.
No sábado, ainda no mesmo
local, conferência pública do Eng.º J. Marques da Costa, denominada Da Instrução Profissional e Técnica em
Portugal.
No domingo, confraternização
com uma festa campestre na Quinta Rôta no Samouco, abrilhantada por uma
orquestra.
Na quarta-feira 24, ainda uma
sessão de cinema na esplanada da Praça de Touros, com o filme “A Princesa e o Pirata”, que findaram
os festejos.
Como verificamos pelos
documentos umas festas de arromba.
IV – Mudanças – algumas vezes como o caracol
Das associações montijenses o
Ateneu é a que teve instalações nos mais diversos lugares da antiga vila e
actual cidade. Desde as instalações nas oficinas de carpintaria da Avenida dos
Pescadores e Rua Joaquim de Almeida, nº 13, enquanto associação sem estatutos,
até aos dias de hoje, começando pela primeira sede na Rua Joaquim de Almeida nº
74, 1º até ao actual espaço que hoje aqui se comemora, o Ateneu teve sede na
Praça 1º de Maio, mas passado algum tempo voltou à Rua Joaquim de Almeida, 74.
Depois mudou-se para a Rua Almirante Reis, para o 1º andar por cima da Mimosa.
Daí foi para um 2º andar, por cima do BES, na Praça da República, onde entrou
num declínio total. Dali alguém, num momento de desespero, carregou com ele
para a Rua Bulhão Pato, onde para além do serviço de biblioteca e do
funcionamento da instrução primária se praticava ténis de mesa e onde viveu
durante alguns anos, donde se transferiu para a sede que acabamos de deixar.
Voltou novamente a pôr os pés
no chão, porque nasceu em piso térreo e agora volta a ele novamente, embora
numas instalações de que Montijo se pode orgulhar.
Houve ainda num período áureo em
que o desporto amador foi componente das suas actividades, um pavilhão alugado
ao sr. Leão, na Rua José Ferreira Pio, onde se praticou hóquei em patins e
ténis de mesa. Também em instalações do Onze Unidos funcionava um campo de
basquetebol e aulas de ginástica. Inaugurada em Dezembro
de 1948 e durante alguns meses
funcionou no Afonsoeiro uma delegação, que era dirigida por Domingos Martins e
Horácio de Sousa, que ministrou aulas de instrução primária e que possuía uma
pequena biblioteca.
Tal como a Nau Catrineta, este
Ateneu tem muito que contar, porque retrata anseios e sonhos, realizados ou
não, de muita gente.
Esta colectividade teve fases de
uma utilidade extrema para o desenvolvimento cultural da população de Montijo,
sem desfavorecer alguma vez o enriquecimento físico tão necessário, que nalguns
períodos também cultivou sem concorrer com os clubes essencialmente destinados
a esse fim.
Durante muitos anos, quando
atingir a 4ª classe, o 2º grau da Instrução Primária, era quase uma
licenciatura, as aulas do Ateneu foram a solução para tantos deserdados que na
altura própria, na sua meninice, não tinham conseguido tal objectivo. Na
documentação relacionada com o funcionamento regular da escola encontramos
nomes de pessoas que foram figuras prestigiadas nesta terra e que frequentaram as
aulas desta colectividade.
Nos primeiros anos de actividade
no Ateneu deram aulas diversos professores do ensino oficial e recordamos os já
falecidos Álvaro de Sousa de Oliveira, José Margalho Félix Pinto e Domingos
Andrade. Posteriormente, em diversos momentos do funcionamento do ensino
primário no Ateneu, mais professores do ensino oficial colaboraram com o Ateneu
e estão ainda entre nós.
Ainda na educação forma
ministrados, com maior ou menor regularidade, aulas de Inglês e Esperanto,
Trabalhos Manuais e os cursos práticos de Português e História.
Na formação profissional,
durante décadas, funcionou o curso de Dactilografia e em alguns anos o Curso de
Corte e Costura. Também houve aulas de Contabilidade, Cálculo Comercial,
Escrituração e Caligrafia e ainda um denominado Curso Comercial.
Em períodos diferentes houve
secções dedicadas ao cinema, ao cineclubismo, ao teatro e aos espectáculos de
variedades.
As secções desportivas também
enriqueceram as actividades propostas e vividas no Ateneu. Começando pelo
basquetebol que cedeu a sua equipa ao Clube Desportivo de Montijo para
fortalecer o novo clube, passando pelos efémeros patins, ténis de mesa e
voleibol. O Xadrez foi a actividade de competição que mais tempo se praticou e
que ainda hoje perdura.
Também os sectores do campismo,
pesca e a secção organizadora de excursões e passeios, foram duma utilidade
evidente, porque ajudaram à confraternização das pessoas, num momento em que
muitos viviam isolados e com medo dos convívios.
Quanto ao aspecto cultural
propriamente dito, para além das exposições, das palestras e de tantos outros
eventos, há a destacar a actividade e utilidade da biblioteca nos anos 40 a 60.
Uma palavra especial para as
edições de comunicação que têm o Ateneu como proprietário, “O Ateneu”
(1946) e “Aldeia Galega” (1985), que
são uma presesnça e uma marca inesquecíveis, ainda que realizadas em épocas
diferentes, pois há um espaço de 39 anos entre os dois primeiros números de
cada. Porque analisámos com algum cuidado estas duas publicações, desde a sua
génese, ressaltou-nos, em relação à primeira, a vontade e o querer de Cosme
Benito Resina. Quando à segunda o dedo, diria melhor, a mão de Rui Aleixo está
sempre presente. Contudo são diferentes as suas competências, porque
contrariamente ao Aleixo, que escreve e assina num momento de liberdade, o
Cosme labuta no mar das dificuldades inerentes ao cargo (editor) e tem de estar
atento à Censura e deixa que os outros escrevam, porque um homem não pode fazer
tudo.
O Ateneu é uma publicação virada
essencialmente para aspectos culturais e formativos e está travado por uma
censura férrea.
Aldeia Galega nasce em plena
democracia, livre de peias censuradoras, mas também num período difícil para a
nossa terra e o nosso país. Não é por acaso que no número 2, de Março de 1985,
tem um aturado trabalho de análise social sobre as dificuldades que o país
atravessa, que intitulou “A Fome
espreita em Montijo”.
Isto para salientar que as
publicações do Ateneu não foram folhas volantes sem conteúdo prestável, apenas
como certificado que alguém se lembrou de publicar. Elas ficam para a história
local como documentos duma vivência responsável que sempre norteou esta
colectividade.
Vamos olhar o futuro e pensar
seriamente que o momento difícil que o país atravessa, por isso o Montijo
também, há-de ser ultrapassado como foi o Adamastor e numa homenagem ao jornal “O Ateneu” nº 3, de Outubro de 1947, ou
seja de há 65 anos, retirei um pensamento de Blaise Pascal (1623-1662), que diz
o seguinte:
-“Toda a sucessão dos homens durante a sequência dos séculos, deve ser
considerada como um só homem que subsiste sempre e continuamente aprende”-
Por isso, meus amigos, levado
este pensamento à letra, nós somos a sequência dos nossos antepassados e os
vindouros sequência de nós, por isso aqui estamos a cumprir esperando que
outros o façam.
Joaquim Carreira Tapadinhas